Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História

Mais uma República no precipício


Publicado por: Max Dias Em: Colunistas No dia: 12 de agosto de 2021


O enterro da PEC do voto impresso foi mais um daqueles eventos multifacetados. Toda a pirotecnia bolsonarista vista semanas antes (seguida do desfile de veículos camuflados antigos e uma infinidade de notas revanchistas de grupos militares da reserva) serviu apenas para “pressionar” os mesmos deputados federais de sempre. Como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), levou a proposta derrotada na comissão para o plenário (jogada de mestre, diga-se) um leque de oportunidades se abriu para a base aliada. Se, a partir disso, os oposicionistas puderam comemorar a derrota da emenda, os governistas souberam tirar proveito da maioria não-qualificada alcançada na votação. Conhecendo a ânsia do centrão e do personagem Lira, a estratégia foi essa mesmo. Matou dois coelhos com uma cajadada só. Juntou a fome com a vontade de comer e, na noite dessa quarta-feira, para a surpresa de zero pessoas, aprovaram em primeiro turno a volta das coligações, um dos pleitos mais desejados pelos fisiológicos de plantão.

Assim, reconhecer o lado vencedor ou perdedor nessas disputas é algo ínfimo, ante ao fato de que a República perdeu. O modo como o centrão, mais uma vez, retoma o seu protagonismo está na conta de Bolsonaro (sendo paga com o nosso dinheiro). E foi essa a tacada certeira de Arthur Lira: saber colocar Bolsonaro ainda mais de cócoras, ante a um desarranjo intestinal sem cura do presidente. A República do Jair solta seus dejetos pelo orifício errado e, como desde 2016 há um desajuste entre o republicanismo e a Constituição de 1988, estamos todos, o tempo todo, na berlinda. Há um desejo frequente de ruptura institucional e esse entra e sai de PECs já derrotadas em outras épocas mostra o quanto o abismo é próximo. Como afirma o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, “os novos intérpretes do Artigo 142, buscam as brechas para a asfixia, via a própria Constituição de 1988, da Nova República”.

Teixeira da Silva é mais um desses historiadores inquirido pelas perturbações do presente nacional. Na sua opinião a Nova República, surgida a partir de 1985, sofre da eterna tutela militar, cujo protagonismo na transição acabou por construir um projeto falho de democracia. Em sendo projeto, foi gestado para tal: ser imperfeito. E quem mais têm sabido se aproveitar dessa democracia claudicante são as próprias Forças Armadas, em especial os seus agrupamentos afeitos ao exercício do fascismo cotidiano. Tais militares, herdeiros da tradição do general Sylvio Frota de ver comunismo em tudo, tem dado enorme contribuição para que nos aproximemos do precipício.

A votação de ontem não encerra o assunto coligações. A votação de terça-feira também não pôs fim ao episódio do voto impresso (até porque os bolsonaristas prometem represálias aos deputados que votaram contra). Para os que votaram a favor, qualquer próxima proposta de reforma vinda do governo será apreciada no melhor estilo “quanto vale ou é por quilo?”. Assim, a República ressurgida em 1988 vai sendo esmerilhada, até que já não tenha mais serventia, como prospectaram aqueles que nunca a quiseram