Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História
Publicado por: Max Dias Em: Colunistas No dia: 3 de agosto de 2020
Todo governo que se pretende autoritário guarda, em seu instrumental, teorias conspiratórias, um público composto por neófitos, inimigos invisíveis e boas estratégias de mídia. Fora desses elementos o autoritarismo só se sustentaria pela força armada. Entretanto, apenas por meio dela nenhum governante permanece de pé o tempo todo porque até os seus subordinados se tornariam futuros opositores. Como nos diria Maquiavel, o uso das armas deve ser feito em último caso para a manutenção do poder político; somente no instante em que os demais meios já tiverem se esgotado. Quando fala, Jair Bolsonaro aparenta não ter lido muita coisa nessa vida, porém ele não desconhece as orientações maquiavélicas.
O Brasil possui um terreno muito fértil para a proliferação de teorias da conspiração. Mas, que terra é esse onde elas se espalham? A cultura religiosa hegemônica entre nossas gentes dá solidez às explicações mitológicas. A histórica relação vertical dos seres humanos com as suas divindades predispõe as pessoas à crença no fabuloso em detrimento do científico. A ideia é que a fé individual tem muito mais relevância que a ciência quando se está diante de um desastre social “inexplicável”. De fato, enquanto a crença se nega a duvidar, acalentado a humanidade, o método científico se propõe a questionar deixando-a sem chão. Não por acaso a maiêutica levou Sócrates à morte.
A cloroquina é uma espécie de fé nacionalista. Em defesa desse medicamento inútil para o tratamento da covid-19, Bolsonaro chegou a dizer: “não tem comprovação científica de que seja eficaz, mas também não tem comprovação científica que não tem comprovação eficaz”. Essa fala confusa é um disparador das mais diversas teorias anticiência. Em um desses sites investigados por disseminação de fake news, e que recebem verba publicitária governamental, reportagem relata que os chineses deixaram o vírus se espalhar pelo mundo, com a anuência da OMS, ganharam dinheiro vendendo respiradores e máscaras e, agora, ao invés de testarem a sua vacina entre os habitantes da China querem arriscar a vida de nove mil paulistanos.
Com essa informação que se alastrou pelas redes bolsonaristas veio junto a teoria do inimigo invisível. Segundo outro portal de notícias pró-Bolsonaro, o acordo estabelecido entre o governador paulista João Dória (PSDB) e o laboratório chinês Sinovac Biotech é problemático, pois a empresa, acusada de suborno e corrupção, é ligada ao governo comunista de Xi Jinping, ditador suspeito de esconder a origem do vírus e desaparecer com jornalistas e jovens médicos que buscaram denunciar a pandemia. O uso de certas palavras fantasmagóricas somadas a uma dose de conspiracionismo reativa, entre os neófitos radicais, a posição de combate. O alvo da vez é um youtuber, Felipe Neto, que até ontem gravava vídeos jogando Minecraft. Agora ele está sendo acusado pelas hostes do capitão de ser comunista e “comedor” de criancinha. Em 1965 o alvo do pastor estadunidense David Noebel foram os Beatles. Segundo consta, os garotos de Liverpool hipnotizavam os jovens que acabavam deturpando os valores morais e cristãos. O comunismo deles podia ser visto em canções como Back in the U.S.S.R