Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História
Publicado por: Max Dias Em: Colunistas No dia: 24 de agosto de 2020
Por mais que não assuma, o bolsonarismo busca, cada vez mais, se tornar idêntico ao demonizado lulismo em ao menos duas áreas: o investimento público e o assistencialismo. Encurralada pelas crise política e econômica, a gestão atual tenta repaginar projetos que ganharam notoriedade entre a população mais pobre no apogeu de Lula.
O cálculo eleitoral é simples: para que o lulismo seja enfraquecido nas suas bases mais fortes é preciso apagar o seu legado ante ao “novo” em curso, porém, construindo um retrato consonante. O esquecimento também é político. Se por um lado o eleitor bolsonarista votou em defesa do “ensino da pesca” o que se ouve nos quatro cantos do Planalto é a necessidade de se “dar o peixe”. Com o olhar lá em 2022 Bolsonaro se afasta cotidianamente dos horizontes políticos e econômicos propalados em 2018 enquanto seus eleitores deixam a pescaria para lá se esmerando em explicar o inexplicável.
Na prática, entre 2003 e 2016, a oposição mais à direita do PT reclamava dos programas governamentais, especialmente do Bolsa Família, chamando-os de “bolsa esmola”. Sob a égide do discurso liberal essa crítica ecoou nos grandes jornais e entre os renomados comentaristas de televisão a partir de 2013, quando parcela da população das grandes cidades passou a defender uma máquina estatal reduzida juntamente com reformas “estruturantes”. Desde então, os adversários a serem derrotados tornaram-se novamente os servidores públicos (os “marajás”, desde Collor) e os beneficiados por programas de renda mínima. Cada vez mais esses dois segmentos viram-se estigmatizados como vagabundos. Mas, se agora só resta o servidor como inimigo é porque a narrativa do candidato Bolsonaro começou a destoar do presidente da República.
Uma nova polêmica entre os setores liberais da sociedade e da mídia começou a ganhar corpo nas últimas semanas quando o governo anunciou que estava prestes a enviar para o Congresso um grande pacote de medidas cujo conteúdo central é a ampliação do investimento governamental – denunciado como “aumento do gasto público” pelos críticos. Num editorial, a Folha de São Paulo chegou a comparar Jair Bolsonaro à Dilma Rousseff com o intuito de fazer escárnio com a ex-presidenta, na medida em que busca realinhar os segmentos do liberalismo brasileiro numa nova oposição de direita ao presidente.
Por fim, distribuindo cada vez mais cargos comissionados para os novos aliados – a fim de aprovar medidas políticas consideradas estratégicas para o avanço eleitoral do bolsonarismo – e rearranjando os investimentos nas áreas em que o lulismo priorizou durante mais de uma década de gestão, Bolsonaro nada mais faz que copiar aquele a quem ultraja. Numa desesperada tentativa de alcançar a aprovação e a popularidade que Lula teve no auge de seu governo, o bolsonarismo vai ganhando moldes de um lulismo às avessas, refletindo todos os violentos costumes de uma sociedade que gerou um “Messias”, mas se negando a enxergar-se no espelho tal qual o demonizado.