Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História
Publicado por: Max Dias Em: Colunistas No dia: 18 de agosto de 2020
O Brasil caminha para chegar nessa semana aos 110 mil mortos em razão da covid-19. A terrível doença que já contaminou mais de 3 milhões de pessoas e retirou a vida de tanta gente querida país a fora parece não querer deixar o povo brasileiro. Entre as muitas preces dos mais religiosos para que a enfermidade cesse (lembrando os clamores dos europeus medievais para que Deus não os punisse com o seu flagelo, a peste bubônica), espanta a parcimônia nacional em favor de Jair Bolsonaro. O fatalismo coletivo, seguido do incessante clamor às divindades, parece poupar as autoridades terrenas de responsabilidade. E se “todos nós iremos morrer um dia” fica fácil para o “Messias” se eximir de fazer “milagre”.
Uma parte dos historiadores acredita que o imperador asteca Montezuma II, ao encontrar o conquistador da América Hernán Cortez, acreditou ser ele o deus Quetzalcoatl e o recebeu com presentes. Ao final viu seu grande império sucumbir para um pequeno exército ávido por ouro. Outros estudiosos do tema defendem que a doença (varíola, em especial) foi uma arma e tanto nas mãos dos invasores, por mais que não tenha sido utilizada como tal. Assim, a divinização do genocida mais o avanço da pestilência trazida por ele, foram dois elementos cruciais para a queda de Tenochtitlán.
Segundo uma pesquisa do instituto Datafolha, 47% da população brasileira exime Bolsonaro de qualquer culpa no que diz respeito à covid-19 e, pasmem, para outros 41% ele nem é o principal culpado pelas mortes causadas pela “gripezinha”. O “flagelo de Deus”, com forte incidência sobre os idosos pretos e pobres, remete ao “mal das bexigas” que, segundo José de Anchieta, matou mais de 30 mil pessoas em meados do século XVI na Bahia, principalmente índios e escravos. Se não há culpados entre as autoridades e a divindade não pode ser condenada, dada a sua perfeição, a quem atribuir tamanha desgraça? Só nos resta culparmos uns aos outros: a diarista, o pedreiro, a ambulante, o entregador de aplicativo. Os que não podem se isolar, os que pegam ônibus e metrôs lotados para nos servir. Os derrotados de ontem são os culpados de sempre. E os que estão em busca do ouro?
Dias depois o mesmo instituto publicou os resultados de um novo estudo. Segundo consta, a popularidade do presidente cresceu em meio à pandemia. Alguns articulistas atribuem tal feito à liberação do auxílio emergencial para os mais pobres. Daqui, no auge do meu isolamento (e afetado pelas neuroses que a insociabilidade forçada me causa), não chego a tantas conclusões. Sigo apenas observando Tenochtitlán entregar presente a quem veio trazer a morte.