Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História

Bolsonaro e o DNA autoritário


Publicado por: Max Dias Em: Colunistas No dia: 18 de março de 2021


O governo Bolsonaro tem o DNA autoritário. Chegar a essa conclusão parece simples para quem acompanha o cotidiano da política brasileira, porém os elementos desse autoritarismo estão dispersos e, na maioria das vezes, travestidos de democracia, dado que vivemos numa (cambaleante, convenhamos). Então, encontrar os elos de autoritarismo em meio a uma suposta aura democrática que encerraria todos os governos pós-1988 é essencial, para que compreendamos o erro que a sociedade brasileira cometeu em 2018 e a tragédia que se monta para 2022.

Na verdade, o erro poderia ter sido contido em 2016. Bolsonaro, na sessão que retirou o mandato da Dilma Rousseff, deveria ter saído preso do plenário por exaltar um personagem decrépito da ditadura militar brasileira. Carlos Brilhante Ustra, morto em 2015, foi um coronel sádico e covarde que deixou suas digitais no pior de um regime autoritário: o aparelho de repressão e tortura. Condenado pelos crimes cometidos nos porões do Doi-Codi sua memória se viu ressuscitada pelo então deputado federal Jair Messias Bolsonaro. Anos depois, não só a memória de Ustra foi relembrada, mas todo o arsenal de estultícia voltou à baila com as celebrações do “Movimento de 1964” pelo agora presidente Bolsonaro. Não bastasse todas as denúncias por parte dos defensores dos direitos humanos (mostrando que tal gesto de comemoração é uma afronta à sociedade e à memória nacional) a própria justiça ignorou os fatos históricos e deferiu o pedido do governo pela manutenção das festividades para esse ano de 2021. Já são tantas as mortes banalizadas nessa pandemia (recheadas de ingerências e negacionismos do presidente) que comemorar os demais cadáveres executados pelos ditadores entre 1964 e 1985 parece apenas um detalhe. Entretanto não é.

O argumento utilizado pelo governo federal junto à justiça subverte a centralidade do Estado Democrático de Direito reafirmando que no art. 1º da Constituição consta o pluralismo de ideais e projetos. “Querer que não haja a efeméride para o dia 31 de março de 1964, representa impor somente um tipo de projeto para a sociedade brasileira, sem possibilitar a discussão das visões dos fatos do passado – ainda que para a sua refutação”, disse a defesa.

Essa teoria acatada pelo judiciário na prática relativiza os riscos sofridos diuturnamente pela nossa frágil democracia e reforça a disputa de narrativas sobre o golpe de 1964. Nela memória e história se confundem por meio do discurso dos múltiplos agentes e é nesse sentido que o presidente e sua gestão tem buscado reposicionar uma ruptura constitucional na categoria de “marcos da democracia”. “Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram”, disse a nota do Ministério da Defesa (na celebração do 31 de março em 2020). Quer dizer, ditadura travestida de democracia pela vontade dos brasileiros. Eis o que nos tem indiciado os últimos dois anos, apontando para um futuro deveras perigoso.

Que a sociedade entenda e que as instituições não tergiversem: a democracia não é um valor dado. Defendê-la, em países afeiçoados ao autoritarismo (como o nosso), é tarefa cotidiana, para que tal sombra autoritária não a tome por completo.