Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História

O preço do arroz e a guerra “fria” da fome


Publicado por: Max Dias Em: Colunistas No dia: 14 de setembro de 2020


Nasci em 1983. Meses após a minha estreia nesse mundo aconteceu um dos eventos mais emblemáticos para o país: a chamada “guerra da fome”. Tal acontecimento foi tão crucial para as lutas populares que colocou em definitivo o debate acerca da segurança alimentar e nutricional no centro das decisões nacionais. Se hoje há grande preocupação com a alta no preço dos itens da cesta básica é porque, no tempo, surgiram fortes Organizações Não-Governamentais (ONG’s) defendendo o legado iniciado pelos membros do Movimento Contra o Desemprego e a Carestia.

A pressa que a fome gera levou a região de Santo Amaro, em São Paulo, a se tornar um campo de batalha no início de 1983. Vivíamos o período final da ditadura militar e uma crise econômica profunda corroía as finanças públicas; os parcos bens duráveis da classe média urbana e; a comida na mesa dos mais pobres, principalmente.

A inapetência econômica de João Figueiredo, juntamente com as duras medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), tornava o país um barril de pólvoras. Naquele 4 de abril, o povo trabalhador aglomerado numa imensa fila em busca de emprego, não pensou duas vezes antes de iniciar a sua guerra pela sobrevivência quando souberam que as vagas na fábrica Ki-Refresco S.A. não passavam de boatos. A ação abrupta da Polícia Militar foi só o estopim da luta que começava pelo estômago. Entre os que acordaram cedo para participar de uma passeata pacífica e aqueles que madrugaram em busca de um lugar para bater o seu cartão diário se uniu o desejo por justiça social. Nas 70 horas que se seguiram, os poderosos tiveram medo da sua “brava gente brasileira”.

De fato, toda gestão econômica excludente guarda em si uma necessidade imensa do povo acreditar que perdendo hoje ele vai ganhar amanhã. A ditadura militar se valeu desse argumento para vender carros e eletrodomésticos para um setor da população na década de 1970, mas acabou, com a crise dos anos posteriores, prometendo apenas futuros terrenos na lua. As pessoas saíram às ruas e exigiram o retorno imediato dos militares ao quartel e o restabelecimento da democracia.

De reforma em reforma Jair Bolsonaro tem buscado vender para a massa nacional uma ideia de que o país está em processo de reconstrução rumo a melhorias futuras – como se perder direitos, arrecadação e cortar investimentos em saúde, educação, cultura e meio ambiente propiciasse êxitos vindouros. Definitivamente as crises são um prato cheio para os discursos falaciosos e oportunistas, porém, só enquanto houver muita gente disposta a aceitar que o alto preço do arroz é um boato. Isso não costuma durar muito tempo.