Museus fechados não impedem Arte de chegar ao público


Em: Variedades No dia: 29 de setembro de 2020


Durante a 2ª Guerra Mundial, a National Gallery, em Londres, precisava encontrar uma forma de proteger seu acervo dos constantes bombardeios em território inglês. Foi o historiador da arte Kenneth Clark, então diretor do museu, o responsável por uma missão que levaria as cerca de 2 mil obras da coleção ao subterrâneo de uma mina no País de Gales. Engana-se quem pensa que os britânicos ficaram sem acesso à arte. Clark não só fez do ambiente do museu palco para uma série de concertos diurnos como criou o programa Picture of the Month – a cada edição, uma pintura era retirada do abrigo para ser exibida ao público.

Os tempos não são de guerra, mas os perigos trazidos pelo novo coronavírus impuseram uma série de restrições ao universo das artes. Nos últimos meses, a alternativa mais comum encontrada por museus e galerias para manter as atividades foi a adaptação das exposições para o ambiente virtual. Sem recorrer à internet, no entanto, uma série de iniciativas vem buscando encontrar maneiras criativas de aproximar a arte do público.

Mostras ao ar livre saem em vantagem no contexto de isolamento social. No Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), uma exposição em cartaz desde o começo do mês possibilita que quem passa pela frente do local, na Avenida Europa, em São Paulo, aprecie um conjunto de obras produzidas por seis artistas, incluindo Yoko Ono. Aliás, o título da mostra, O Ar que Nos Une, tem inspiração em um texto da obra Grapefruit: a Book of Instructions and Drawings, da artista e ativista japonesa. “A Yoko coloca que o ar é aquilo que nos conecta e aquilo que nos separa. Era algo que estava na minha cabeça e parecia que tinha encontrado o contexto perfeito para acontecer, que era a área externa do museu”, explica a curadora Galciani Neves, destacando ainda a inspiração na obra do filósofo italiano Emanuele Coccia.

“A área externa do MuBE reivindica diálogos e experiências entre o próprio prédio, os trabalhos e o público”, acrescenta. De acordo com Galciani, as produções foram selecionadas a partir do “entendimento do ar como materialidade em primeira instância”. E é do mesmo texto que inspirou a exposição que parte a obra de Yoko. “A indicação dela e da assistente foi que queriam manter uma instância mais intimista, então fizemos uma impressão simples e montamos no jardim. É para ser lido por quem passa a pé, guardando um tanto da escala de leitor e livro”, detalha a curadora da mostra, que reúne ainda obras da dupla Motta & Lima, de Artur Lescher e Paulo Bruscky.

Da artista Laura Vinci, por sua vez, uma instalação produz uma espécie de bruma movida pela corrente de ar, criando a ilusão de flutuação da marquise do museu. “Eu entendo, de uma maneira poética, que ela conecta os trabalhos, cria os diálogos entre esses agentes que estão habitando o museu”, avalia a curadora. Já de Ana Teixeira, a obra Em Contato é uma intervenção com 14 boias no espelho dágua. Em cada uma, está inscrito um advérbio. Ao se moverem, elas formam composições textuais diversas.

A ideia de céu aberto pauta também a mostra No Calor da Hora, parte do projeto M.A.P.A (Modos de Ação para Propagar Arte). Promovida pela agência VIVA Projects, a iniciativa espalha obras de 27 artistas no espaço público das capitais brasileiras. O que pode parecer inusitado – a escolha de outdoors como suporte – remete a uma prática dos anos 1960 e 1970. Como explica a curadora Patricia Wagner, esse meio foi utilizado em momentos críticos do País, como na ditadura militar, quando nomes como Paulo Bruscky (presente nesta mostra) recorreriam ao que ficou conhecido como “artdoor”.

Ao lado da sócia Camila Barella, Cecilia Tanure criou o VIVA Projects como uma forma de difundir arte contemporânea. No início do ano, elas já estavam articulando com Patricia um projeto inédito de arte pública. No entanto, com a pandemia, os planos foram frustrados. “Quando estávamos discutindo novos modelos possíveis, no começo de abril, vimos que conseguiríamos conduzir esse de dentro de casa, envolvendo o mínimo de pessoas que precisariam ir para a rua”, conta Cecilia.

Patricia acrescenta que a forma encontrada foi também propícia para responder à situação de “excepcionalidade” vivida hoje, em que confluem questões sanitárias, políticas e econômicas. “De certa maneira, o título No Calor da Hora colide com o entendimento tradicional da arte como um processo que pressupõe uma decantação. Mas chegamos num ponto que precisávamos de respostas imediatas, então o que convocamos foi que os artistas partissem de sua poética para responder a este momento crítico.”

A dispersão espacial também acompanha a iniciativa do curador Tiago de Abreu Pinto. O avanço da pandemia se deu quando ele estava no Chile. Com os voos cancelados, sem poder voltar ao Brasil, decidiu entrar em contato com artistas do país, no que daria origem ao projeto Ao ar, livre. “Me dei conta que estava num lugar em que não conhecia ninguém. Desde 2009, faço longas entrevistas com artistas, conhecendo suas práticas. Achei que valeria a pena começar uma conversa com os chilenos. Com tudo se transformando, me questionei: Qual o lugar da ação artística física?”, relembra Tiago, que convocou 74 criadores de diferentes localidades do país.

Foi assim que o projeto se estruturou como uma espécie de exposição efêmera “diluída no território”, em que os artistas poderiam criar “a obra que quisessem, no espaço que quisessem”. A vírgula presente no título busca enfatizar tal liberdade. As obras foram exibidas em 16 e 17 de maio. Tiago explica que, como os chilenos estavam passando por um período de forte convulsão social, muitos trabalhos acabaram por refletir isso.

A edição brasileira ocorreu em 22 e 23 de agosto, desta vez, com 136 artistas, de manifestações bem diversas – das políticas às mais líricas. “O Éder Oliveira pintou a imagem da avó num vidro metacrilato. Por uma ilusão de ótica, a figura atravessa a janela e é como se estivesse sentada num banquinho na praça da frente. Enquanto isso, deixa tocar uma conversa que gravou com ela”, exemplifica Tiago. A última passagem do projeto foi pelo México, em 22 e 23 de setembro. Os “resíduos” dessas intervenções podem ser vistos em imagens e vídeos no site da mostra.

Como ver as mostras

O Ar que nos Une
As obras podem ser vistas a distância por quem passa em frente ao MuBE (Rua Alemanha, 221, Jardim Europa; mube.space). Vale fazer uma pausa para contemplá-las com calma.
Até 11 de outubro.

No Calor da Hora
A mostra exibe um outdoor nas capitais do Brasil (exceto São Paulo; por causa da Lei Cidade Limpa, a obra está na divisa com Osasco). Veja a localização em vivaprojects.org/ mapa. Até 25 de outubro.

Ao Ar, Livre
A mostra teve obras apresentadas em diferentes localidades
do Chile, Brasil e México, entre maio e setembro. O público
pode conferir as ações e os artistas participantes no site aoar-livre.com.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.