Em: Variedades No dia: 9 de setembro de 2020
Tudo começou em maio, quando George Floyd foi abordado violentamente por um policial que pressionou seu pescoço, impedindo-o de respirar. “I can’t breathe”, ele gritava. As imagens viralizaram na internet e deram origem aos maiores protestos realizados nos Estados Unidos desde os anos 1960 e 70. Em vez de a polícia norte-americana recuar, ocorreram novos episódios de violência.
Nesse quadro, a morte de Chadwick Boseman, Pantera Negra, deu força ao movimento Black Lives Matter. O antirracismo voltou à agenda na América, se é que alguma vez saiu de cena. A questão racial agregou outras agendas – gênero, imigração, desigualdade social. A questão tornou-se planetária. Nesse contexto dantesco, a Academia de Hollywood adapta-se aos novos tempos – ao novo normal? – e muda suas regras. Ainda não é para agora, mas para 2024, quando Hollywood estiver celebrando a 96º cerimônia de entrega de seus prêmios. As novas regras estabelecem quatro pontos (dos quais ao menos dois têm de ser adotados) para tornar uma produção elegível na categoria principal, de melhor filme.
Tudo pela inclusão
As quatro regras podem ser reduzidas a uma só – contemplar as minorias. Os candidatos a melhor filme deverão ter membros de minorias, como negros ou latinos, em papéis de protagonistas ou coadjuvantes, ou 30% do elenco composto por grupos pouco representados; ter um número determinado de mulheres ou pessoas com deficiência em cargos de liderança ou formando 30% da equipe; deverão oferecer cargos pagos de estágio ou de aprendizado para grupos pouco representados nos estúdios e distribuidoras, e também vagas de oportunidades de desenvolvimento de habilidades e de treinamento para membros desses grupos em cargos menores nas equipes de produção; e ter cargos de liderança nos estúdios e/ou produtoras preenchidos por membros de minorias ou grupos pouco representados em setores como marketing, distribuição e/ou publicidade.
É claro que as novas regras, com todos os seus condicionantes, terão de estar subordinadas à condição maior – o filme vencedor, a par de todas essas garantias de representatividade, à frente e atrás das câmeras, terá de contemplar a qualidade estética. Ou seja, terá de ser o melhor. Essa talvez seja a regra mais complicada de todas porque, nesses 90 anos, os vencedores da Academia foram muitas vezes contestados. Só a título de esclarecimento, pode-se passear um pouco pelos vencedores dos últimos dez anos para ver se atendem às especificações. Em 2010, Kathryn Bigelow fez história como primeira mulher a vencer o Oscar de direção por Guerra ao Terror, que também foi melhor filme. Isso compensa o fato de só haver um negro no elenco principal: Anthony Mackie. Em 2011, O Discurso do Rei venceu como melhor filme e direção (Tom Hooper). Realeza britânica, só brancos. A menos que houvesse 30% de grupos pouco representados na equipe técnica, não passava.
Em 2012, O Artista, de Michel Hazanavicius, fez o rapa. Franceses contam como minorias? Em Hollywood, talvez sim, mas poderia haver controvérsia. Argo, de Ben Affleck, melhor filme de 2013. Será necessário procurar pelas minorias na equipe técnica. Em 2014, aleluia!, 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, atendia às exigências. Em 2015, Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), o primeiro Oscar de direção de Alejandro González Iñárritu. Latino atrás da câmera, perfeito – a polêmica seria a qualidade do filme, mas ele tem seus defensores. Em 2016, Spotlight – Segredos Revelados, de Tom McCarthy, melhor filme, mas não melhor diretor. O tema forte – pedofilia na Igreja – seria suficiente? Frente à câmera seria 0%. Em 2017, Moonlight – Sob a Luz do Luar, melhor filme, roteiro adaptado (Barry Jenkins) e ator coadjuvante (Mahershala Ali) – aprovadíssimo.
A Forma da Água, em 2018. Diretor mexicano (Guillermo Del Toro), uma grande atriz negra (Octavia Spencer). OK, mas o destaque foi o Oscar de roteiro para Jordan Peele, por Corra! Em 2019, Green Book – O Guia atendia aos quesitos, mas a comunidade negra se sentiu mais representada em Infiltrado na Klan, de Spike Lee, e Pantera Negra, de Ryan Coogler. O que adiantou o porcentual? Em 2020, Parasita, o mesmo caso de O Artista, mas mais tranquilo.
Sul-coreanos devem estar pouco representados nos estúdios e nas distribuidoras dos EUA. As regras que visam a compensar injustiças históricas tem seus problemas. Em 1939, …E o Vento Levou atendia aos principais quesitos, mas, justamente no auge das manifestações do Vidas Negras Importam, foi rechaçado como racista.