Em: Esportes No dia: 14 de julho de 2020
A pandemia do novo coronavírus também atingiu em cheio os projetos sociais ligados ao esporte. Mesmo contando com recursos garantidos no ano passado, grandes iniciativas lideradas por ídolos do esporte nacional, como Ana Moser, tiveram demissões e redução de salários. E agora vivem a preocupação com a sustentação financeira de suas atividades no médio e longo prazo.
No Instituto Esporte e Educação, liderado por Ana Moser, houve quatro demissões e corte de 25% de salário em 100 dos 200 funcionários que atuam em 20 espaços diferentes no Brasil, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. “Para não mandar todo mundo embora, diminuímos os salários em 25%. Tivemos que readequar os projetos”, disse a ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira, em entrevista ao Estadão.
A maioria dos grandes projetos sociais é bancada pela Lei de Incentivo ao Esporte, que destina recursos captados em 2019 para serem executados no ano atual. Este sistema protege financeiramente a maior parte dos projetos maiores durante a pandemia. Mas a preocupação com o médio prazo só cresce entre lideranças de quatro projetos ouvidos pela reportagem.
“Temos uma gordurinha da Lei de Incentivo para queimar, mas quem não tem, terá problemas. Serão uns seis a oito meses para queimar tudo. Depois disso, é preocupação”, afirmou Willian Boudakian, à frente de duas grandes iniciativas. Ele é diretor executivo do Instituto Família Barrichello e gerente de projetos do Instituto Passe de Mágica, liderado pela ex-jogadora de basquete Magic Paula.
Nos dois casos, a preocupação também atinge o longo prazo. O motivo é simples. A Lei de Incentivo ao Esporte do governo federal é sustentada por parte do Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas. No caso das pessoas jurídicas, até 1% do tributo pode ser direcionado para projetos sociais aprovados pelo governo.
E a previsão é de que, diante da crise econômica causada pela pandemia, o lucro das empresas será menor, o que vai impactar diretamente no imposto a ser dirigido aos projetos. “Se as empresas têm lucro menor ou mesmo nenhum lucro, não teremos o Imposto de Renda. No mercado, percebemos que o rendimento das empresas será menor. No médio prazo, para dois ou três anos, nossa percepção é de que vai ser muito difícil manter os atendimentos dos projetos”, explicou Boudakian.
O ex-judoca Flávio Canto, diretor presidente do Instituto Reação, prevê a mesma situação. “O médio e o longo prazo preocupam. A maior parte das empresas vai ter dificuldade em ter lucro. A Lei de Incentivo vai ser um problema lá na frente. Temos que aumentar o porcentual do imposto, é uma luta antiga nossa”.
O projeto liderado por Canto não precisou fazer demissões. Mas perdeu recursos que vinham do apoio da Petrobras. Com equipe menor, o Instituto Passe de Mágica também escapou dos cortes no atendimento a um público de 6 a 17 anos, nas cidades de Piracicaba (240 crianças) e São Paulo (120). Mas tanto o Instituto Família Barrichello quanto o Instituto Reação deixaram de arrecadar mais por causa da quarentena.
A necessidade do distanciamento social desde março impediu a realização de eventos beneficentes, como jantares e até eventos de golfe e de kart, liderados por Barrichello. “O Rubinho é um ótimo captador para o projeto”, disse Boudakian.
Sem estes recursos, o Instituto liderado pelo ex-piloto de Fórmula 1 precisou paralisar projetos. Completando 15 anos em 2020, a iniciativa pretendia expandir sua atividade para dez estados, nas regiões Norte e Nordeste, atendendo de crianças a idosos. “Estava tudo bem encaminhado, mas a pandemia acabou paralisando o processo de expansão.” Atualmente, o instituto atende 3 mil pessoas no estado de São Paulo e dá suporte, na forma de consultoria, para projetos de 20 cidades.
ALTERNATIVAS PARA O FUTURO – Se o longo prazo preocupa, os líderes de projetos sociais são unânimes ao apontarem a necessidade de diversificar a busca por novas fontes de renda, de forma a diminuir a dependência da Lei de Incentivo ao Esporte. Neste aspecto, o Instituto Reação, que extrai 70% dos seus recursos desta lei, desponta com as iniciativas mais ousadas.
Flávio Canto espera ampliar as receitas do projeto em duas frentes. A primeira é formatar uma metodologia própria do ensino de judô, a ser comercializado, principalmente com escolas. O ex-judoca lembra que o Instituto ocupa o primeiro lugar no ranking de agremiações da Confederação Brasileira de Judô, deixando para trás clubes tradicionais do País.
A outra frente é investir na criação de uma produtora de TV. “Estava nos nossos planos no passado, mas não sabíamos bem como fazer. A pandemia deu liberdade poética para arriscar e errar. A vida normal pressupõe que você entregue algo com mais tempo de reflexão. E estes tempos de hoje dão liberdade. Criamos até um canal no Spotify. Nossos educadores viraram radialistas”, contou o medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas-2004.
Pensar em produtos comercializáveis também é a estratégia do projeto liderado por Ana Moser. “Buscamos desenvolver produtos para empresas, como uma metodologia de treino para jovens e adultos, mais abrangente que as academias atuais. Trazemos pilates, RPG, uma série de metodologias de preparação corporal e física, num formato que atende iniciados e não iniciados. Estamos em fase de licenciar e certificar professores, como meio de geração de recursos”, afirmou a ex-atleta.