Gustavo Varella
Advogado, Professor, Cronista de Rádio e Jornal. Sócio de Varella, Dall'orto & Malek Associados.
Publicado por: Gustavo Varella Em: Colunistas No dia: 17 de março de 2021
Deixei para comentar o voto do Ministro Fachin no recente julgamento do Habeas Corpus (nunca gostei de usar letras – MS AIA, HC – para tratar de instrumentos processuais) impetrado em favor do ex-presidente Lula depois que concluísse sua leitura. Em poucas palavras, a Constituição, quando garante a todos os que estamos sob sua órbita, um julgamento justo conforme o devido processo legal, remete-nos, nas centenas de avenidas, ruas e vielas do direito, ao exame dos princípios e subprincípios que regulam cada um dos ramos da ciencia jurídica e das atividades judiciárias no Brasil.
Um desses princípios, o da territorialidade, garante aos réus nas ações penais o julgamento no local onde o crime foi praticadoou produziu seus efeitos. Não há necessidade de ser juiz para saber que Atiabaia e Guarujá (sítio e apartamento) ficam em São Paulo. Ocorre que também existe uma regra de “administração” das atividades judiciárias chamada de Conexão, que, constatada sua ocorrênxia entre dois ou mais crimes, torna prevento (de prevenido, de adequado) o juizo (órgão) que primeiro conheceu de um desses crimes para o julgamento de todos os processos a ele e aos demais crimes conexos.
Ao receber a denúncia feita pelo MPF contra Lula em ambos os processos, Moro entendeu que o “processo da Lava-Jato “(chamemos assim), já sob a “sua” jurisdição, atraía todos os demais que porventura tratassem de alguma coisa parecida ou de alguém razoavelmente semelhante ao chamado escândalo da Petrobrás e/ou às pessoas vinculadas pelo Ministerio Público a ele (escândalo). E passou a “tocar” os processos de Lula. Já naquele momento a defesa arguiu a incompetência e recorreu, tendo sido o recurso negado pelo TRF4. Sabe-se que dessa decisao também houve recurso, mas o STJ manteve a decisão, como fez em relação a todos os outros recursos que invocaram os mesmos vícios.
O resultado, para abreviar, todos sabemos: chegando o HC de Lula ao STF, após Fachin mantê-lo sem julgamento por dois ano, colocou-o em pauta e decidiu exatamente o oposto do que os julgamentos anteriores decidiram. Não vou entrar no mérito se o foro era ou não a 13a Vara Federal de Cuririba, se havia ou não conexão, se Fachin resolveu “salvar” a Lava-Jato, se o STF é isso ou aquilo. Isso muita gente anda discutindo. O que concluí é simples e direto:
1) O Supremo não deveria julgar questões relacionadas a regras processuais (salvo em tese, fora dos limites de processos judiciais “in specie”), cabendo ao STJ a palavra final sobre esses temas (e outros que não fossem de colidência expressa de leis infraconatitucionais com a CF88)
2) Se efetivamente o faz (ou ainda o faz), o STF deveria sinplesmente suspender o andamento de todos os processos onde semelhantes controvérsias são debatidas para decidir e firmar súmula intransponível, após o que (sem que isso contasse tempo lara a prescrição) os processos retomariam seu curso
3) É lamentável que não exista rigor no STF quanto à observância estrita do que chamamos de reserva de plenário, que impede decisões monocráticas ou de turmas isoladas sobre questões tão relevantes e de repercussão nacional
4) Deveria haver um dispositivo que impusesse algum ônus econômico-financeiro para membros do Ministério Público que por vaidade, teimosia, burrice ou má-fé, sujeitassem cidadãos, independente de quem fossem, a constragimentos processuais de qualquer magnitude, impondo-se, claro e de antemão, que isso fosse objeto de apontamento pela defesa e conhecimenro direto pelo judiciário
5) É vergonhoso para qualquer um brasileiro que estude processo e atue no ambiente judiciário conviver com votos, acórdãos, sentenças ou qualquer manifestação judicial proferida 2, 3, 4, 5 ou mais anos do início de um processo, quer porque isso significa a falência de qualquer sistema de administração de justiça, quer porque na maior parte das vezes o tempo é usado (e em grande parte ardilosa e dolosamente) como instrumento de tortura, submetendo cidadãos a quem a lei garante presunção de inocência, ao infame rótulo de culpado até que consiga – Caso sobreviva – uma decisão que o absolva daquilo que lhe é imputado e lhe proclame inocente, não apenas que diga que ele não é culpado por falta de provas ou que ele foi beneficiado pela prescrição.
Tirando tudo isso e apenas olhando o voto do Ministro (o que é muito pouco), sim, ele está tecnicamente certo, ao meu ver. O problema é o custo que isso tudo teve. Impagável e injustificável.