Em: Internacional No dia: 14 de setembro de 2020
“O país já estava no limite de uma crise quando a explosão ocorreu. E isso deixou tudo pior”. Essa é a reação do escritor Pierre Jarawan ao falar das explosões que devastaram o porto de Beirute, no Líbano, em agosto. Filho de pai libanês e mãe alemã, o escritor conta que as pessoas mais jovens querem deixar o país no Oriente Médio por falta de perspectiva.
Autor de dois livros sobre a terra natal de seu pai – o primeiro deles, No Final Ficam os Cedros, lançado neste ano no Brasil -, Jarawan diz que sua perspectiva do “país das férias” mudou muito com suas pesquisas. Em entrevista ao Estadão, ele conta como foi escrever sobre os impactos da guerra civil em uma família libanesa e quais os desafios que os jordanianos enfrentam em outros países.
Por que você decidiu escrever sobre o Líbano?
Eu conheço o país muito bem. Viajo para lá desde que era uma criança, todo verão ia visitar minha família. Então, o país é parte de mim. Acho que é normal para escritores iniciantes escrever sobre o que conhecem, algo que é parte da nossa vida. Para as pessoas na Alemanha é uma novidade ler sobre o Líbano, mas para mim foi natural escrever sobre isso.
Por que tratar da guerra civil? Existe alguma motivação pessoal?
O livro fala da guerra, mas mais sobre o efeito da guerra nas pessoas. Não se pode escrever sobre o Líbano sem escrever sobre a guerra civil. Tudo o que o país é hoje vem do passado da guerra. É impossível não escrever sobre isso. No começo eu queria escrever uma história de família, mas quando comecei a fazer minhas pesquisas percebi que é impossível escrever sem falar de política. Tudo no Líbano é sobre política.
Você costuma conversar com sua família sobre a relação política no Líbano?
Sim, eu sempre converso com eles. Tenho avós lá, primos. Os mais jovens, por exemplo meu primo, de 25 anos, querem deixar o Líbano. Eles não enxergam um futuro lá, vivem dizendo que precisam vir para a Alemanha ou outro país. A questão econômica e o fato de não se ter perspectiva estão afetando não apenas minha família, mas a todos.
Após as explosões a situação parece ter piorado.
Foi muito difícil. O país já estava no limite de uma crise quando a explosão ocorreu. E isso deixou tudo pior. Antes da explosão, não imaginávamos que tinha como piorar, mas foi o que aconteceu. Há o problema do coronavírus também. E isso se tornou uma forma de impedir que as pessoas saíssem para protestar. Você tem 300 mil pessoas que perderam suas casas agora, perderam tudo. As pessoas querem mudança, querem que o governo deixe o poder.
O que você sentiu sobre o Líbano ao pesquisar para escrever o livro?
Minha perspectiva mudou muito. Quando eu era criança eu ia para o Líbano todo verão, era o país das minhas férias. E ia até lá, visitava meus primos, via o mar. Quando eu cresci, continuei considerando como minha segunda casa, um lugar bonito e agradável. Mas as pesquisas me mostraram tanta coisa negativa da política e da história. Nem tudo é bom lá.
Você voltou ao país depois de ter feito a pesquisa? Como foi?
Eu já escrevi dois livros sobre o Líbano. O primeiro saiu na Alemanha em 2016 e o segundo em março deste ano, um livro mais crítico sobre os 17 mil desaparecidos no país. Muitos desapareceram na guerra civil. Depois do primeiro livro, eu voltei e olhei tudo de uma outra perspectiva. Antes da explosão mesmo, você via no Líbano várias casas com marcas de balas. Foi uma mistura de alegria e tristeza porque ainda há a beleza natural, as montanhas, o oceano, ainda há muita mágica no Líbano como país e nos libaneses.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.