Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História

O caô do candidato


Publicado por: Max Dias Em: Sem categoria No dia: 29 de setembro de 2020


Nesse último domingo a campanha municipal foi iniciada e nem mesmo a pandemia deve diminuir a andança dos candidatos para tentar, no corpo-a-corpo, amealhar a confiança do cidadão. A concorrência é absurda, fruto da nova legislação eleitoral em vigor impedindo as coligações proporcionais. Entre as muitas opções para o Executivo e Legislativo o cardápio inclui um novo aumento no número de candidaturas ligadas aos aparelhos de segurança. São policiais civis, militares e membros das demais Forças Armadas tentando encontrar no eleitor a mesma parcimônia que fez de Jair Bolsonaro presidente da República. É Delegado, Capitão, Sargento e Coronel para todos os gostos.

E foi nessa toada eleitoral que o intérprete Bezerra da Silva cantou, de modo brilhante, a chegada do “candidato caô caô” no morro para pedir votos. Entre elogios aos negros da área, uma talagada na pinga da venda e um jantar na lata de goiabada o aspirante à político fez de tudo para se aparentar àqueles moradores. Entretanto foi no terreiro que o guia revelou: “esse político é safado […] hoje ele pede seu voto amanhã manda a polícia lhe bater”. Com base nesse conhecimento popular era para cada fardado sair com a urna vazia das periferias do Brasil. Porém, o saldo recente não aponta para uma conclusão desse tipo.

São muitas as explicações em torno do fenômeno eleitoral dos militares. Para muitos desses candidatos de farda eles mesmos encarnariam o verdadeiro espírito moralizador da política expurgando os agentes corruptos e despudorados da sociedade. Tais militares são herdeiros da tradição republicana brasileira que derrubou um combalido imperador de seu cargo e, em conluio com uma elite patrimonialista e rural, pôs o Exército brasileiro como uma espécie de novo Poder Moderador: quando advém um “desequilíbrio” lá estão eles para supostamente salvaguardar a mesma ordem e progresso, quer seja por meio de golpes de Estado ou subvertendo a democracia.

E assim, na falta de projetos garantidores de uma ordem baseada no prato de comida, saúde, educação e cidadania para uma população pobre o candidato segue subindo o morro e bebendo água da chuva, como nos cantou Bezerra da Silva. Hoje ele só evita entrar em terreiro, pois ser cristão conservador está na moda e pode comprometê-lo. Aliás, a igreja se tornou o ambiente ideal para defender que uma arma na mão do cidadão e o tratamento de choque da polícia é a única medida eficaz para a melhoria da cidade (parece que lá, atualmente, não tem um guia capaz de desmascarar esse caô).




RELACIONADOS