Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História

O bode está na sala


Publicado por: Max Dias Em: Sem categoria No dia: 18 de fevereiro de 2021


Todo mundo sabe que o policial militar e deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) está preso por seus ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O que ninguém entende é porque um “cidadão de bem” que não respeita as leis, se insubordina às autoridades de sua corporação e flerta com o autoritarismo o tempo todo foi eleito para a Câmara. É tão incompreensível que, sinceramente, me parece um bode na sala, uma traquinagem do nosso Estado de Direito.

Segundo a fábula, o bode surge como uma espécie de salvação do ambiente familiar após o conselho de um sábio das redondezas. É porque o marido, que trabalhava no campo, vivia reclamando da esposa, que vivia brigando com os filhos, que adoravam reclamar da vida naquela casa. Reclamar e ofender fazia parte da rotina daquelas pessoas. Daí vem o bode, enquanto sugestão para atenuar os problemas da família. Espantado, o camponês apenas acata a sugestão, mas sem crer nos benefícios que aquele bicho proporcionaria. Após uma semana aquele homem retorna ao sábio dizendo que a vida estava muito pior já que o bode deixava a casa fedorenta, toda cagada e barulhenta. Ao que o sábio diz: agora vá lá, retire o bode da sala, limpe tudo e verás a reação de alegria da sua família.

Por incrível que pareça a solução é mesmo retirar o bode da Casa de Leis. Talvez isso ocorra. O problema é que a cagada deixada por Daniel Silveira não pode ser limpada por completo. O deputado é só mais uma expressão desse tempo de extremos no país e retirá-lo não diminuirá o estrago na nossa cambaleante democracia. Talvez piore. Se há gente disposta a caminhar pelas ruas em defesa da ditadura é porque nosso Estado de Direito já falhou na tarefa de revigorar a vida em sociedade. Isso nem serve como autocrítica, mas pode ser um ponto de partida para a construção de elementos mais objetivos para o alcance da justiça social. A nossa Carta Magna foi o horizonte possível, em 1988, em vista dos anos impossíveis vividos entre 1964 e 1985. 21 anos que alguns, como Daniel Silveira, querem reavivar. Esses bodes precisam ser retirados, todos eles, da sala.

Por fim, em meio às muitas discordâncias sobre a ordem política do país (da esquerda à direita), a Suprema Corte não tem conseguido saciar a sede por justiça assanhando, assim, o desejo pelo justiçamento. E, desse modo, a atitude extrema do STF (colocando um deputado federal na prisão por meio de alguns gatilhos jurídicos, como em tantos outros casos) tem muito mais de represália que de garantia da ordem democrática. Em contrapartida a Câmara deve agir mais com base no corporativismo que em defesa da democracia. O presidente seguirá em silêncio para não colocar em pauta a sua predileção pela tirania. E o problema real é que “a cadela do fascismo está sempre no cio”, conforme nos dizia Bertold Brecht.




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