Em: Variedades No dia: 21 de janeiro de 2021
O Brasil não foi o único país a selecionar um documentário para tentar conseguir uma vaga no Oscar entre os cinco indicados para melhor filme internacional, com Babenco – Alguém Tem de Ouvir o Coração e Dizer: Parou. A Romênia escolheu Collective para ser seu representante, exibido no mesmo Festival de Veneza de 2019 que o filme dirigido por Bárbara Paz. O longa-metragem romeno de Alexander Nanau ganhou o European Film Awards na categoria documentário e foi um dos indicados para a premiação da Associação Internacional de Documentários.
Nanau foi movido pelos protestos de milhares de pessoas exigindo a queda do governo após o incêndio da boate Colectiv, que matou 64 pessoas em Bucareste em outubro de 2015. “Ali estava uma geração jovem, numa nova democracia, declarando-se cansada da classe política corrupta”, contou o cineasta em entrevista ao Estadão. A Romênia teve uma história conturbada, ficou sob ocupação soviética após a Segunda Guerra Mundial e, durante 24 anos, viveu sob o governo autoritário de Nicolae Ceausescu, executado no Natal de 1989.
Imediatamente após a tragédia nacional, ficou claro que muita coisa estava errada. A boate não obedecia a normas básicas de segurança e estava aberta apenas por um misto de incompetência e corrupção – uma situação bem parecida com a da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde morreram 242 pessoas em janeiro de 2013. Na Romênia, as autoridades estavam manipulando a população sobre a capacidade do sistema de saúde de cuidar dos feridos. Nanau e sua equipe logo toparam com Catalin Tolontan, experiente repórter investigativo e editor-chefe do jornal esportivo Gazeta Sporturilor. “Vimos que o melhor seria seguir esse jornalista para entender essa manipulação e a relação entre o poder e os cidadãos”, explicou o diretor.
Como a ideia era fazer um documentário de observação, sem entrevistas, a equipe precisava estar preparada para o que desse e viesse. E muita coisa veio, dando ao filme um ar de thriller, mesclado à emoção das vítimas. Com a ajuda de denunciantes, a equipe formada por Tolontan, Mirela Neag e Razvan Lutac descobriu uma série de irregularidades em hospitais, que causaram a morte de diversos pacientes. “A Romênia é governada por populistas”, disse Nanau. “Quando vemos progresso na sociedade, muitas vezes é porque os jornalistas fazem seu trabalho.” Para o cineasta, era importante mostrar os detalhes do trabalho de um repórter, desde o momento em que a informação chega, mas, acima de tudo, a sua responsabilidade de checar tudo antes de publicar, num contraponto com as fake news que abundam na internet.
E para ele era essencial ver a reação do poder, que nega tudo. Neste caso, os jornalistas provaram que estavam certos, e o ministro renunciou devido à pressão popular. “Nessa história dá para ver como o jornalismo independente é importante”, afirmou Nanau. “No mundo midiático de hoje, sem o jornalismo independente, estaríamos vivendo no escuro, porque a única informação disponível viria dos poderosos, que estão construindo uma realidade paralela que nada tem a ver com a verdade. Se tivéssemos apenas o Twitter e o Facebook controlando os políticos, Richard Nixon ainda seria presidente.”
O novo ministro da Saúde romeno, Vlad Voiculescu, não era um político e sim um ativista da saúde. Ele deixou a equipe de Nanau filmar o que acontece atrás das portas fechadas. “É fundamental entender o que está por trás das decisões políticas”, disse o diretor. “Existe uma cadeia de deliberações antes da declaração oficial. Muitas vezes, no populismo, uma coletiva de imprensa é só uma plataforma para lançar uma falsa realidade.”
Mesmo focado em seu país, Nanau percebeu logo que se tratava de uma questão mundial. “Quando estávamos rodando em 2016, aconteceu o Brexit, que nos chocou”, disse. Na mesma época, Rodrigo Duterte assumiu o governo nas Filipinas, e logo depois, Donald Trump venceu nos EUA. “Entendemos que o mundo estava ganhando o mesmo panorama político que filmávamos na Romênia”, disse Nanau, incluindo o Brasil na equação.
Para ele, a demanda feita pelos jovens romenos é simples: eles querem viver num Estado que toma conta de seus cidadãos. “É algo básico não morrer num incêndio porque alguém foi subornado, ou não morrer num hospital porque alguém roubou os recursos”, disse. O cineasta disse que mais jovens estão votando nas eleições, mas, no último pleito, um partido de extrema-direita ganhou votos suficientes para ocupar 10% do Parlamento. “Muita gente está tentando punir os políticos votando em populistas, que só prometem acabar com a corrupção e lutar contra o establishment, mas não cumprem. O que vimos nos Estados Unidos nas últimas semanas é que basta um mandato de governo populista para destruir instituições e a democracia. E isso na mais sólida democracia do mundo.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.