Em: Geral No dia: 10 de dezembro de 2020
A tragédia ocorrida no dia 17 de novembro, na praia da Pipa, em Rio Grande do Norte, onde o deslizamento do pedaço de uma falésia matou o casal Stela e Hugo, e seu filho Sol, de 7 meses, foi utilizada como argumento pelo superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Santos Alves, para justificar a liberação de obras de um muro de pedras sobre as areias da Praia do Forte, em um resort de luxo, local conhecido pela desova de tartarugas marinhas.
A reportagem teve acesso a um despacho que Alves encaminhou à diretoria do Ibama no dia 25 de novembro, um dia após uma reportagem do Estadão revelar que, segundo fiscais do próprio Ibama, a obra é um “flagrante crime ambiental”.
Em sua manifestação, Alves diz que “os noticiários sempre nos trazem fatos trágicos que poderiam ter sido evitados acaso obras mitigatórias desse fenômeno tivessem sido realizadas (sejam elas obras de drenagem, contenção, ou outras que o caso concreto e a boa técnica aconselhem)”.
O superintende afirma que, naquela semana, “o Brasil se entristeceu com o trágico acidente ocorrido nas falésias no Rio Grande do Norte” e que, “aparentemente foi o processo de erosão da base da falésia que ocasionou o acidente fatal”.
A citação de Alves tem o propósito de defender a legitimidade de sua própria decisão. Nomeado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em junho do ano passado, para comandar o Ibama na Bahia, Rodrigo Alves cancelou atos de sua própria equipe técnica no Estado para liberar obras de um resort de luxo, erguidas sobre a areia da Praia do Forte, numa região conhecida pela procriação de tartarugas marinhas. Alves não só retirou uma multa de R$ 7,5 milhões que havia sido aplicada pelos técnicos do Ibama contra o hotel como anulou a decisão que paralisava a obra.
As falésias da praia de Pipa que desmoronaram sobre uma família não tem nenhuma similaridade com a Praia do Forte. Trata-se de um processo de erosão em montanhas que chega a ter até 40 metros de altura. Os turistas estavam sentados sobre a areia da praia, abaixo dessas falésias, que costumam ser área de sombra. O hotel Tivoli está localizado na beira da Praia do Forte, quase que no nível do mar, preocupado com o processo de erosão entre seu terreno e a areia da praia, situação comumente causada pela retirada de restingas dessas áreas.
Alves também minimiza os impactos às tartarugas. Afirma que, segundo um gestor do projeto Tamar, a praia em frente ao hotel tem registrado “não mais do que dez desovas naquele trecho, sendo que tem quilômetros de praia em Praia do Forte que tem 100, 200 desovas”.
Os técnicos do Ibama reagiram à atitude do chefe. Em uma nota técnica do 23 de novembro, os analistas ambientais rebateram os argumentos usados por Alves, afirmam que se trata de justificativas equivocadas e apontaram que o crime ambiental é flagrante, por se tratar de uma obra realizada em plena areia da praia, fora da propriedade do resort, onde cabe ao Ibama atuar como órgão de fiscalização federal. Além do cargo de superintendente do Ibama na Bahia, Alves é sócio de uma empresa imobiliária, que atua na oferta de imóveis de luxo no litoral.
O Tivoli Ecoresort, onde as diárias vão de R$ 1,5 mil a R$ 7 mil, iniciou a construção de um muro na areia da praia para conter o processo de erosão em frente ao hotel. A situação é causada pela deterioração das restingas, vegetação que cobre a areia. Em setembro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou levar adiante uma resolução que fragilizava a proteção de áreas de restinga e manguezais. Com o controle do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Salles conseguiu aprovar a mudança que abria espaço para a exploração imobiliária, mas a resolução acabou sendo suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Em sua manifestação mais recente sobre o assunto, Rodrigo Alves afirma que, há poucos meses, “talvez na mesma época em que a maré avançou sobre o terreno do administrado”, leia-se Tivoli Hotel, o município de Ilhéus “sofreu fortemente com o avanço da maré contra casas de populares e pequenos comércios”, fazendo com que o Ministério Público exigisse que as autoridades públicas interviessem, “amparando aquelas pessoas e adotando os meios para que aquela situação não voltasse a se repetir”.
Em linhas gerais, Alves afirma que o Ibama extrapolou suas funções, ao multar o resort e pedir o embargo da obra, porque esta já teria licença válida dado pelo município e que o próprio Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que toca o Projeto Tamar, de proteção das tartarugas marinhas na Praia do Forte, não havia multado o hotel.
Para esvaziar ainda mais a decisão, o superintendente recorre às próprias estruturas do projeto Tamar, que tem muro de pedra encravados na areia, em área próxima do hotel Tivoli. Sua manifestação apresenta, inclusive, fotos das instalações do Projeto Tamar, para afirmar que “a obra em referência é perceptivelmente mais impactante que a contenção de gabião licenciada pelo administrado – Hotel Tivoli – (consistente em uma cesta metálica preenchida com pedras). A construção autorizada em 2011 consiste em verdadeira parede na areia da praia”, declarou.
Em sua conclusão, Alves afirma que o caso “ganhou notoriedade nacional após reportagem veiculada na imprensa” que menciona o fato dele ser sócio em uma empresa de vendas imobiliárias. “Certamente não era intenção da reportagem, mas pode-se imaginar que haja qualquer conflito de interesses ou impedimento deste julgador em analisar esse ou outros processos administrativos, razão pela qual se fazem necessários alguns esclarecimentos”, afirmou o superintendente.
O servidor do Ibama afirma que a imobiliária Remax Jazz, baseada em Salvador, da qual é sócio, “não comercializou nenhum imóvel em Praia do Forte, nenhum imóvel no litoral norte, nenhum imóvel em área ambientalmente sensível, nem nunca teve como cliente nenhum hotel, pousada ou empresa desse ramo de negócios”.
Afirma que se trata de “uma franquia imobiliária de um grupo internacional, de forma que todas transações são registradas no sistema informático da empresa, sendo possível a qualquer momento emitir relatório demonstrando todas as transações realizadas desde o início das atividades”.
Atualmente, a obra na Praia do Forte está paralisada. Registros fotográficos confirmam que a obra é feita com o aterro de um muro diretamente na areia da praia, para conter processos de erosão. Para os fiscais do Ibama, os argumentos de Alves “são equivocados, mostrando-se totalmente diversos dos fatos aferidos em campo e dos atos administrativos constantes nos autos do presente processo”. Afirma ainda que causa “estranheza” o fato de a decisão do superintendente ser tomada antes da audiência de conciliação ambiental e do encerramento da instrução do caso, como previsto em processos como esse.
O documento foi encaminhado ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Estado da Bahia. Os fiscais também pedem que a Procuradoria Federal Especializada do Ibama se manifeste sobre o ato de anulação da multa e do embargo do superintendente.