Em: Geral No dia: 12 de julho de 2020
“A gente tem de aprender a lidar com a poesia da vida, mas a poesia da vida nem sempre é bonita.” Essa frase da Juliana representa a forma que ela e outras tantas pessoas encontraram para ver beleza em meio à angústia da espera. Por causa da pandemia do novo coronavírus, mulheres e casais tiveram de adiar o sonho de terem filhos por fertilização em laboratório.
Por orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), procedimentos de reprodução humana foram temporariamente suspensos. As justificativas incluem incertezas e falta de evidências robustas sobre o vírus, além de assumir que mulheres grávidas se tornam mais vulneráveis por mudanças imunológicas. E o tempo para muitos pode ser curto.
“Aos 30 anos, a mulher tem 20% de chance ao mês de engravidar. Com 42 anos, é de 2% ao mês”, diz Paulo Gallo, diretor do Vida – Centro de Fertilidade e professor de Ginecologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Além da quantidade de óvulos reduzir, a qualidade dos gametas também piora, principalmente depois dos 35 anos – e mais ainda após os 40.
Foi com essa realidade que Juliana Caribé teve de lidar quando, aos 37 anos, se consultou com uma médica da clínica no Rio. A profissional disse que a idade era um “dificultador” somado à endometriose com a qual a coach e especialista em desenvolvimento humano havia sido diagnosticada aos 25 anos. Aquela época era a melhor para engravidar ou congelar os óvulos, pois é a fase áurea da produção dos gametas.
A verdade doeu, mas a mulher, determinada, tinha um sonho a realizar com o marido, com quem está casada há quase 17 anos. Após uma bateria de exames, Juliana iniciou estimulação ovariana. “O procedimento foi doído, a carga hormonal é forte, tem toda a questão emocional, é caro, e você quer que tenha resultado”, diz, hoje com 42 anos. Foram cinco embriões de boa qualidade como resultado. Os dois melhores foram implantados. “Tinha certeza de que ia dar certo, mas não deu.”
Mais exames identificaram nela um problema na tireoide, que levou mais dois anos para ser tratado. Ao retornar à clínica para seguir com a fertilização, novas avaliações acusaram piora da endometriose. Três meses depois de tratar, ela estaria apta a seguir com o sonho, mas isso foi em maio deste ano, e a pandemia da covid-19 foi imperdoável. “É uma sensação de angústia de que sempre existe algo entre mim e esse sonho de ser mãe. É uma contagem de tempo, o tempo está passando e eu preciso conseguir realizar isso”, deseja Juliana.
Cursos e leitura
Já a convivência com as sobrinhas despertou em Vivian Minitti, de 37 anos, e no marido Milton Brunelli Filho, de 48, a vontade de terem filhos. Casados há quatro anos, eles não pensavam nessa possibilidade antes e ele já tinha feito vasectomia. Sem querer revertê-la, o casal foi direto para a reprodução assistida. Em novembro, saiu de Piracicaba (SP) para fazer o tratamento na Huntington Medicina Reprodutiva, na capital paulista. “Eu tomava anticoncepcional, então até parar, normalizar e eu menstruar de novo levou três meses. Demorei para fazer os primeiros exames porque tinha dia certo para isso”, conta a corretora de imóveis. A consulta foi em março desde ano. Depois de alguns exames realizados, veio a notícia de que teriam de esperar. Eles só não imaginaram que seria por tanto tempo.
“Fica aquele sentimento de ‘Agora que a gente decidiu ’. Não sou tão nova, apesar dos óvulos estarem bons. Eu nunca fui uma pessoa muito ansiosa, mas agora até estou”, diz Vivian. Para amenizar a espera, o casal embarcou em uma preparação. “Desde o começo de abril, a gente mudou completamente a alimentação, cortou café, bebida alcoólica, toma as vitaminas de que precisa. Estamos cuidando da gente para colher os melhores gametas possíveis”, diz ela. Eles também mergulharam no universo da maternidade e paternidade com cursos e leituras sobre o tema.
Ritmo
Para que o tempo da espera não se transformasse em um tormento, a autônoma Elis Regina Mortola Bandeira, de 38 anos, tem se dedicado à Banda Ritmos, criada pelo marido, que é músico, e na qual ela canta – o nome de artista não é à toa. “Isso está me tirando um pouco a angústia dessa espera, foi uma forma para eu me entreter, passar o tempo, não ficar pensando muito”, conta ao Estadão. A arte tem sido fundamental neste momento, em que ela quase entrou em depressão.
Mãe de uma jovem de 23 anos, fruto de um relacionamento anterior, ela está com o atual marido há seis anos, casada há quatro, e ele não tem filhos. Elis uniu esse fato ao desejo que já tinha de gestar novamente. Após algumas tentativas em vão, consultou uma médica na cidade vizinha de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que a tratou para endometriose, mas sem um diagnóstico. Inesperadamente, a profissional que a assistia mudou de município e deixou a mulher com seu sonho desamparada.
Persistente, a autônoma buscou outro médico que, por meio de novo exame, constatou que ela tinha as tubas uterinas obstruídas. Impossibilitada de engravidar naturalmente, foi para a fila de espera de inseminação do SUS quando tinha 34 anos. Ela ficou na lista de espera para realizar o procedimento, mas não conseguiu fazê-lo porque o laboratório do hospital indicado estava em reforma.
Três anos depois, entraram em contato com ela para dar início, este ano, aos grupos de orientação para quem faria fertilização in vitro. Os encontros nunca ocorreram porque a pandemia do novo coronavírus impôs a necessidade de distanciamento social. “É complicado, o sentimento é de ansiedade, apreensão, uma mistura de angústia e tristeza”, desabafa Elis. Enquanto ela e o marido esperam, eles se cercam dos ritmos da banda. Buscam o tom certo para alinhar o compasso de seus corações sedentos pelo nascimento de uma nova vida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.