Publicado por: Agencia de Notícias Em: Economia No dia: 21 de fevereiro de 2022
Depois do pouso forçado da companhia aérea Itapemirim, que suspendeu voos na véspera do Natal deixando milhares de passageiros na mão e contraindo um passivo de R$ 180 milhões em apenas seis meses de operação, o negócio de transporte do grupo rodoviário começa a desandar.
No início do mês, o banco Moneo, da fabricante Marcopolo, obteve um mandado de busca e apreensão de 61 ônibus por falta de pagamentos. Em diversos estados, como no Ceará, funcionários estão cruzando os braços por atrasos de salários e benefícios.
Sob o comando de Sidnei Piva de Jesus desde 2016, aquela que já foi a maior empresa de transporte rodoviário do país, com quase 7 décadas de estrada, vem acumulando prejuízos operacionais, não cumpre o pagamento de credores como previsto no plano de recuperação judicial (e atestado pelo administrador judicial). Por seu lado, os credores, que têm R$ 258 milhões a receber, tentam, sem sucesso há mais de seis meses, autorização judicial para realizar uma assembleia e afastar Sidnei da gestão.
— Não foi por falta de aviso — diz em rara entrevista a empresária Andrea Cola, neta do fundador do Grupo Itapemirim Camilo Cola, ex-deputado federal e pracinha da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que faleceu no ano passado aos 97 anos. Discreta, ela não quis ter a sua foto publicada.
Meses antes de o avô falecer, em novembro de 2020, Andrea foi com ele a Brasília alertar ministros e parlamentares dos riscos de se autorizar a decolagem da ITA.
— Alertamos que assim como Sidnei não honrou compromissos firmados conosco, ele não iria honrar com o país. Deu no que deu — diz ela.
Andrea foi executiva da Itapemirim por 16 anos, como diretora comercial e também de relações institucionais. Hoje ela é uma das vozes mais ativas dentre os credores da empresa na denúncia de irregularidades no processo de recuperação — mas seu ativismo tem sido interpretado como litigância de má-fé pelo Judiciário.
A empresária estava fora da empresa havia dois anos quando o avô e o pai, aconselhados por executivos com décadas de casa, entraram com pedido de recuperação judicial e, na sequência, venderam o negócio para Sidnei Piva de Jesus e sócios por R$ 1. Agora, ela trava uma disputa com Sidnei Piva para tentar recuperar parte do patrimônio da família, como apartamentos residenciais em Copacabana e em Curitiba.
A associação de credores trabalhistas e de ex-funcionários da empresa calcula em R$ 125 milhões o total de recursos desviados na gestão de Sidnei, dos quais R$ 32 milhões foram “torrados” na companhia aérea. A empresa opera no vermelho, mas já arrecadou R$ 134,6 milhões com a venda de ativos imobiliários.
Vocês tentaram alertar o governo sobre os riscos de se autorizar a companhia aérea ITA?
Entramos com petições nos autos da Recuperação Judicial, com agravos no Tribunal de Justiça, acionamos o Ministério Público. Em 2020, fui com o meu avô a Brasília e alertamos o Ministro Tarcísio (Infraestrutura) sobre o que estava acontecendo na recuperação judicial. Alertamos que assim como Sidnei não honrou compromissos firmados conosco, ele não iria honrar com o país. Não foi falta de aviso. Deu no que deu.
E qual tem sido a resposta do Judiciário?
Sou credora da empresa e por isso tenho atuado no processo de Recuperação Judicial. Venho tentando denunciar as falcatruas, mas me acusam de tumultuar o processo, de fazer litigância de má fé. Já tomei várias multas da Justiça.
Como a família Cola conheceu Sidnei Piva de Jesus?
Em 2016, a gente estava com problema de certidão negativa e avaliamos entrar em recuperação judicial para manter as outorgas das linhas. Sidnei Piva de Jesus, Camila Valdivia e Milton Rodrigues Junior chegaram até nós por meio do advogado que prestava serviço na área tributária para o grupo há muitos anos, o Márcio Mastropietro. Ele nos aconselhou a entrar em recuperação judicial e, em seguida, a fechar um acordo com Sidnei Piva, que dizia na época ter um crédito tributário de R$ 5 bilhões. A ideia era pagar as dívidas dos credores concursais e fazer um encontro de contas das dívidas fiscal e tributária.
[A dívida com o governo somava R $2,2 bilhões em 2019, sem juros e correções e a empresa devia mais R$ 200 milhões a bancos e fornecedores.]
O advogado Olavo Chinaglia, que acompanha a entrevista, complementa:
Eles acreditaram em papai noel. O advogado que dizia estar atuando em prol dos interesses da família e outros dois executivos da empresa agiram com dolo de causar dano à família e se beneficiar de comissões. Eles conseguiram convencer seu Camilo Cola e o filho a fechar o acordo. Todos depois foram trabalhar com o Sidnei e a sócia Camila. Já entramos com representação contra eles na OAB.
O patrimônio do grupo dava para pagar os credores?
Passamos muitas crises em mais de 60 anos e sempre dispusemos de patrimônio, de imóveis, para honrar dívidas. Quando a recuperação judicial começou, o valor dos imóveis que foram colocados como garantia era muito superior ao total das dívidas concursais. Dava para pagar todo mundo. Se o objetivo fosse recuperar e não desviar, todos os credores já teriam sido pagos.
Quando vocês começaram a suspeitar que podiam estar sendo vítimas de um golpe?
No acordo com Sidnei havia um combinado de que os imóveis pessoais — a casa do meu avô em Cachoeiro do Itapemirim, um apartamento em Curitiba, o apartamento na Avenida Atlântica e mais alguns terrenos que não estavam relacionados com a operação — seriam transferidos de volta para a família. Mas em 19 de dezembro de 2016 eles conseguiram na Justiça se apossar da empresa antes mesmo de a gente finalizar os contratos. Em março do ano seguinte, Sidnei entrou com cláusula arbitral pedindo a validação do contrato e desde então a gente vem brigando.
Você teme que as dívidas do Grupo Itapemirim voltem para a família?
Já pagamos algumas dívidas na pessoa física, muito de nós demos garantias pessoais, fianças. Acho bastante improvável, não há nenhum elemento para isso e já estamos há mais de 5 anos longe da gestão. Mas temos visto tantas decisões esquisitas nesse processo…
Diversas decisões, em primeira e em segunda instância, permitiram que as coisas chegassem onde chegaram.
O que aconteceu com os imóveis da família?
O apartamento da Avenida Atlântica foi ocupado. O Sidnei invadiu, trocou a fechadura. Parece que passou o Ano Novo lá. Ele não se deu ao trabalho de devolver nem as roupas e os sapatos do meu avô. Meu avô ia muito lá. Era a segunda casa dele. Nem sei se esse imóvel um dia volta pra gente.
Acredita que o negócio rodoviário ainda pode sobreviver?
Espero que o resto do patrimônio seja revertido para a empresa para pagamento dos credores. Mas é preciso que a gente tenha uma nova assembleia para nomear um interventor. Acredito que a empresa ainda pode se recuperar. A imagem está manchada, mas é uma marca forte. Acredito no negócio. O Brasil viaja de ônibus.
Faz mais de seis meses que os credores demandaram uma assembleia, mas até hoje não houve decisão. Acredita que a assembleia será convocada e Sidnei será afastado?
Tenho que acreditar no Judiciário. Não é possível que a Justiça seja tão irresponsável como foi até agora, sob o risco de deixar o negócio falir. Sidnei tem que devolver o dinheiro que ele tirou e ser afastado. Se ele permanecer, será uma questão de tempo (para a falência). Com um gestor de boa fé, as empresas ainda podem ser salvas. O turismo está voltando. Tem muita inovação no mercado rodoviário. Há muita coisa para se fazer.