Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História

Água na lua e leite de pedra


Publicado por: Max Dias Em: Sem categoria No dia: 27 de outubro de 2020


Uma das notícias científicas mais debatidas nessas últimas horas foi a descoberta de água na lua. Segundo consta, as moléculas de H2O estão presas em grãos minerais no satélite da Terra constituindo assim uma prova química indiscutível. Após a publicação, uma infinidade de especulações começou: o que a humanidade poderá fazer diante dessa novidade essencial à sobrevivência? A ciência, agora, começa a refletir sobre a instalação de uma base espacial na Lua tendo-a como um próximo salto rumo ao futuro.

Se da lua a humanidade espera tirar água, aqui na Terra a esquerda partidária tenta mesmo é tirar leite de pedra. A tal frente ampla segue sendo uma quimera, porém, quanto mais se aproximam as eleições, mais o cenário se torna turbulento com acusações variadas do PT ao PSOL, passando pelo PDT, PSB e PC do B. Acredita-se piamente que a unidade eleitoral é o único caminho capaz de frear o bolsonarismo nos grandes centros urbanos. Entretanto isso não é uma verdade absoluta. Tampouco é a garantia de vitória qualificada. Aninhar experiências partidárias divergentes, com suas leituras próprias da conjuntura nacional, muitas vezes, proporciona desalinhamento programático. Por outro lado, se há um convencimento de que a esquerda brasileira pode, de algum modo, aparar suas arestas históricas, estamos distantes de ver essa prática entre os deputados e senadores no Congresso Nacional. Parece que a unidade legislativa deveria ser o primeiro passo para uma frente ampla executiva.

Fato é que a busca por hegemonia partidária entre as legendas de esquerda é uma tendência no Brasil. Isso pode ter explicações variadas. Um desses entendimentos tem base na cultura política socialista forjada no país (principalmente nas primeiras décadas do séc. XX, quando o Brasil se industrializava) cuja extinta União Soviética agiu como uma espécie de polo orientador dos rumos a serem tomados por todos os adeptos de sua revolução. A prática da hierarquização e da centralização advinda disso acabou por levar as forças de esquerda a se pulverizarem demais a partir da década de 1960. Entre os que se filiaram ao MDB para seguir disputando as eleições bipartidárias da ditadura e os que pegaram em armas para tentar derrubar os ilegítimos militares ampliou-se um fosso. Tal distância diminuiu bastante com a redemocratização quando múltiplas forças sociais e políticas se uniram para construir o Partido dos Trabalhadores em 1980, tornando-o hegemônico nos anos seguintes. Entretanto, o primeiro governo Lula fez ampliar as insatisfações da esquerda na medida em que avançaram as alianças com setores do centro e da direita.

O cenário eleitoral de hoje ainda é reflexo dessa equação histórica, somado aos efeitos políticos provocados pela derrubada de Dilma Rousseff, do encarceramento de Lula e da chegada do radicalismo de direita à presidência. Parece mais fácil acreditar que a ciência vai encher vasilhame de 20 litros na lua do que a esquerda encontrar um caminho para a unidade ampla e duradoura no Brasil. Nesse caso, é como tirar leite de pedra.




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