Gustavo Varella
Advogado, Professor, Cronista de Rádio e Jornal. Sócio de Varella, Dall'orto & Malek Associados.

A Politização da Politização


Publicado por: Gustavo Varella Em: Colunistas No dia: 11 de abril de 2021


Aristóteles dizia que “todo homem é um animal político”, mas no Brasil nós ampliamos esse conceito: aqui, todo animal não apenas se acha político, como acha também que tudo se resume à política. É evidente que discussões políticas – e não me refiro nem mais ao conceito de “polis” e de sua expressão como ‘ assuntos de interesse da pólis” – são naturais, necessárias e quase que inevitáveis em absolutamente tudo o que diz respeito à qualquer atividade humana, já que, em síntese, escolher uma opção, iniciar um processo, abraçar ou desistir de alguma coisa, cargo, tipo de vida, etc, é, na essência, uma atividade “política”.

O problema é que compreendemos e aplicamos esse conceito (e forjamos esse hábito) no nosso país com um descomunal excesso, também misturando a ele, hábito, alguma coisa que julgamos ser (ou que dizem para a gente que é) “ideologia”. Assim, se é NATURAL alguém agregar (ou até definir por) seu voto num candidato a algum cargo público conceitos “ideológicos” (lato sensu…)  tipo “comunismo”, ” liberalismo”, “nudismo” ou “machismo”, o mesmo não se aplica (a “naturalidade”) a escolhas como tomar remédio, definir qual o melhor tratamento médico para tal ou qual doença ou realizar uma operação matemática.

E nos vimos, todos, quase que irremediavelmente (sem trocadilhos), encalacrados num pântano de conflitos de todas as ordens, aparvalhados social e economicamente porque passou-se a ter como “normais” debates entre pessoas que não têm a menor noção daquilo que discute, simplesmente porque se sentem compelidas a “defender” politicamente aquele ou aquela situação posta em debate, na maior parte das vezes, coisas ou fatos absolutamente íntimos ou restritos a um terceiro de quem não fazem a menor ideia de quem seja, como vive, como chegou onde chegou ou alguma coisa além da foto exposta na mídia como protagonista de alguma frase ou conduta. Anteontem li posts de pessoas debatendo sobre a sexualidade de um biólogo que comenta temas ligados à Civid na mídia.

Outro dia presenciei outros mais discutindo a origem étnica de um dirigente de uma Instituição que cuida de distribuição de vacinas. Hoje me deparo com gente brigando em razão da suposta simpatia ideológica de um cientista do Cazaquistão que interpretou um gráfico de uma Universidade da Inglaterra. Não sei se não tenho capacidade ou se tenho vergonha de discutir sobre assuntos que não fazia até quinze minutos antes a menor noção de que povoavam a rotina de algum ser humano na Terra. Nos tempos do julgamento daquilo que ficou conhecido como “Mensalão”, flagrei duas amigas de minha mãe, uma dona de loja e outra professora inglês, “decidindo” como é que o Ministro Celso de Mello deveria julgar os Embargos Infringentes no STF, recurso que, suspeito, desde que o STF (em 1829, ainda Supremo Tribunal de Justiça) foi “instalado” no Brasil, não foi usado mais que umas 20 vezes.Tite vai convocar Neymar? Até pouco tempo a discussão séria “o cara é gênio muito embora pipoqueiro X o cara é pipoqueiro ainda que seja gênio”.

Hoje em dia, não nos surpreendamos, será “ele é de São Paulo, portanto aliado do calça frouxa ” X ” mas ele curte uma aglomeração, então não é esquerdopata”. O avanço do embrutecimento do brasileiro só divide liderança, nos últimos anos, com o do emburrecimento. Sim, porque se estamos cada dia mais propensos a mandar alguém “àquela cesta que fica no alto do mastro central das caravelas” por divergências de opiniões tão profundas quanto “se quem deve sair no paredão do BBB é fulano ou beltrano”, também progredimos muito na “arte” do “discordar” do resultado da conta da calculadora porque quem inseriu os dados votou em tal pessoa na última eleição”.

Isso é coisa de gente burra, não de gente autêntica. Curioso ainda, é que algumas pessoas aceitam passivamente o rótulo de burras, de ignorantes, etc, desde que não se lhes vincule à tal ou qual ideologia; outras respondem a “ofensa” com um “pelo menos não sou como você que prefere o fulano”. Isso é coisa de gente burra, não de gente politizada. Uma das coisas mais tristes da raça humana é a ignorância, matriz da maioria dos males que nos afetam (pobreza, sujeira, guerras, etc). Mas existe uma diferença bizarra entre a pessoa se envergonhar de sua própria ignorância (que se dá, muitas vezes, por nenhuma culpa dela mesma, porque não teve nenhuma opção na vida) e de se orgulhar dela. O título que dei a esse texto prende-se ao fato de que mais do que politizar até eventos naturais como uma pandemia (dizendo-a uma conspiração internacional para fazer aquilo, atingir isso, ou alcançar tal resultado aqui ou acolá), muita gente anda politizando opção de sepultamento (se enterro ou cremação), teor de pureza de oxigênio hospitalar, logística de malha aérea e, até, opção por método de produção de vacina, se por “RNA” mensageiro ou emprego de vírus atenuado. Isso não é coisa de gente burra, mas coisa de gente louca.