Em: Política No dia: 13 de julho de 2020
As melhorias institucionais que a operação Lava Jato legou ao País não devem ser dadas como garantidas, diz Paul Lagunes, professor da Columbia University’s School of International and Public Affairs e um dos organizadores do livro Corruption and the Lava Jato Scandal in Latin America, que será lançado nesta segunda, 13. “Há crescente interferência política nas instituições policiais”, disse Lagunes ao Estadão. O estudioso enxerga, no País, esforços legislativos para intimidar promotores, além de novas restrições à transparência do governo e perseguição à imprensa.
O livro, que está sendo traduzido para o português, tem participação de uma das maiores especialistas no mundo em corrupção, Susan Rose Ackerman, e entrevistas com o ex-juiz Sérgio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e o jornalista Glenn Greenwald. A correspondente do Estadão nos EUA, Beatriz Bulla, foi uma das entrevistadas. “Em 15 capítulos, estudiosos e profissionais tentam envolver questões críticas em uma perspectiva equilibrada e imparcial”, disse. A seguir os principais trechos da entrevista:
Por que o sr. escolheu a Lava Jato como o tema do livro?
A corrupção não é nova na América Latina ou no mundo, ou seja, não faltam escândalos sobre os quais escrever. No entanto, a Lava Jato se destaca por sua abrangência – e também pela maneira eficaz, e às vezes controversa, pela qual autoridades relevantes responderam às evidências de corrupção. Jan Svejnar, meu coeditor, e eu percebemos que esse evento particular na história era único. Merecia uma análise cuidadosa e sistemática.
Considerando todas as polêmicas que o livro traz, qual o sr. diria ser o legado da operação?
A Lava Jato revelou a corrupção – isto é, casos em que figuras públicas estavam abusando de seu poder para promover seus ganhos pessoais e políticos. Isso é inegável. É um fato que os críticos da operação não podem diminuir ou ignorar. Portanto, podemos e devemos criticar certos aspectos da operação, como quando determinados membros do Judiciário mostraram aparentes preconceitos contra membros do PT e da defesa do presidente Lula. Ainda assim, tenho que insistir: a Lava Jato resultou na prisão de figuras comprovadamente corruptas. E minha esperança é que os políticos, independentemente de seu partido ou posição de poder, agora ajam de maneira diferente, sabendo que a probabilidade de serem pegos, sentenciados e presos por transgressões é maior hoje do que era, digamos, 20 anos atrás.
O “espírito Lava Jato” permanece no governo Bolsonaro?
Jessie Bullock e Matthew Stephenson, ambos da Universidade Harvard, argumentariam que o “espírito Lava Jato” pode ser mantido vivo enquanto a força-tarefa adquirida pela expertise em liderar uma operação complexa e plurianual puder ser salva e replicada no futuro. O “espírito de Lava Jato” também pode ser mantido vivo, eu acrescentaria, se a comunidade pública e internacional continuar exigindo resposta institucional a todas as alegações de corrupção, incluindo as que são dirigidas a pessoas próximas ao presidente.
Qual e o futuro da operação?
Faz seis anos desde o início da saga. As quantias roubadas estão sendo devolvidas à Petrobrás. Membros da elite política e econômica foram levados à Justiça. Portanto, além desse ponto, eu defenderia uma nova estrutura para pensar nos esforços anticorrupção no Brasil e na América Latina. Para ser perfeitamente claro, porém, sou contra a diminuição da intensidade da luta contra a corrupção. Então, o que eu estou defendendo pode ser pensado, metaforicamente, como virar a página e passar para o próximo capítulo, sem deixar o livro de lado.
O que pode ser feito para avançar na luta contra a corrupção?
Punir não é a única maneira de alcançar um controle da corrupção. No entanto, a aplicação da lei tem seu valor e a punição é importante para fazer as pessoas pensarem duas vezes antes de se envolverem em corrupção ou qualquer outra atividade criminosa. De maneira correlata, a celeridade e proporcionalidade das sentenças são tão importantes quanto a certeza da punição para aqueles que se provar culpados. Um dos capítulos do livro sugere que a Lava Jato pode ter aberto as portas para o retorno ao regime militar.
Qual é a relação entre a menor confiança das pessoas nas instituições e o apoio à ditadura?
Em 2016, talvez o auge do escândalo da Lava Jato, dezenas de manifestantes invadiram o Congresso para denunciar a corrupção e pedir o retorno do regime militar. Esses manifestantes provavelmente representavam nada mais do que parte de um pequeno grupo negligenciável de extremistas. Ainda assim, eu não levaria na brincadeira. Continuaria a luta contra a corrupção exatamente como meio de proteger a democracia.
O senhor vê um risco para a democracia no Brasil?
Por causa da Lava Jato, o Brasil é uma fonte de inspiração para muitos de nós que esperamos avançar na luta contra a corrupção. No entanto, ninguém deve dar como certo as melhorias institucionais do País. A Justiça do Brasil está e continua sob ameaça constante. Há crescente interferência política nas instituições policiais. Há também esforços legislativos para intimidar promotores, novas restrições à transparência do governo e aumento da perseguição à imprensa. Tudo isso importa, porque uma democracia saudável exige que as várias partes do sistema de Justiça funcionem corretamente. Portanto, minha resposta é: proteger a Justiça é fundamental para proteger a democracia do Brasil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.