Max Dias
Historiador, jornalista, professor do IFES Campus Linhares e Doutor em História
Publicado por: Max Dias Em: Sem categoria No dia: 15 de dezembro de 2020
A problemática em torno da vacinação em massa no Brasil não é nova. Faz mais ou menos uns oito anos que a imunização em razão do vírus HPV gerou uma celeuma gigantesca no país. De um lado os que diziam ser a vacina essencial para prevenir o câncer do colo do útero, cujo papiloma vírus humano é responsável por 70% dos casos da doença. Do outro, um secto espalhando uma infinidade de desinformação, dizendo que a vacinação levaria as meninas a se tornarem estéreis, bem como as faria perder a virgindade.
O próprio Ministério Público Federal de Minas Gerais entrou nessa disputa ajuizando uma ação civil em 2015 pedindo que a Justiça proibisse a imunização. As redes sociais amplificaram essa querela em torno do HPV e até hoje circulam por aí fake news sobre o assunto. Assim, muitas famílias acreditam que não há necessidade de imunizar suas crianças e adolescentes, enquanto a ciência alega o contrário. O negacionismo não vem de hoje. Pelo nosso histórico, então, dá para vaticinar: a batalha em torno do CoronaVac está apenas começando.
Há mais de um século o Brasil passava por uma de suas maiores crises sociais e o pano de fundo acabou sendo a campanha obrigatória de vacinação contra a varíola. O império caíra em 1889 e a República engatinhava nos primeiros anos do século XX. A tensão envolvendo as disputas políticas militares ecoava no governo civil do presidente Rodrigues Alves e o Rio de Janeiro, capital republicana, acabou sendo palco de batalhas nas ruas com mortes e deportações. Na verdade, o que muitos historiadores defendem é que as medidas sanitaristas levadas adiante pelo médico Oswaldo Cruz foram feitas à revelia da vontade popular e sem qualquer diálogo que demonstrasse a importância da imunização, sendo seguidas de uma política pública de higienização que destruiu moradias nas áreas centrais e lançou pessoas para o alto dos morros cariocas. As favelas e essa clara cisão arquitetônica entre ricos e pobres no Rio de Janeiro de hoje são o resultado de uma ação política cujos efeitos podem ser sentidos por meio da violência cotidiana.
No Congresso Nacional à época os debates acalorados pouco ajudavam a elucidar o problema em torno da varíola e a obrigatoriedade criou um cisma entre aqueles que defendiam e os que rejeitavam a vacina. Entre as autoridades religiosas reinava o discurso moral sobre a injeção de substâncias estranhas ao corpo o que se estendia ao povo que, desinformado e sem estudos, preferia atender ao clamor dos padres, pastores e pais de santo, como é de costume. Cientes de que suas vidas estavam sendo devassadas por um governo que destruía suas casas, negaram à autoridade médica e militar o direito de tocarem nos seus corpos, principalmente no de “suas mulheres”. Numa sociedade patriarcal esse foi um gatilho para a Revolta da Vacina.
Diante da “guerra fria” em torno da vacinação contra a covid-19 no Brasil atual e as disputas de narrativas proliferadas por autoridades políticas e lideranças religiosas, fica a questão: se a injeção tiver que ser nas nádegas, quantas mortes mais esse país vai conhecer?