Gustavo Varella
Advogado, Professor, Cronista de Rádio e Jornal. Sócio de Varella, Dall'orto & Malek Associados.

Obtusidade


Publicado por: Gustavo Varella Em: Colunistas No dia: 22 de abril de 2021


Sócrates, um carinha que viveu na Grécia há uns 2300 anos, cunhou a expressão “só sei que nada sei” para ilustrar – ele que era, já naquela época, detentor de vasto conhecimento – que somos seres absolutamente ignorantes com relação a praticamente tudo o que existe, vivo ou não, nesse mundo. Ignorar (coisa de ignorante) não é privilégio dos iletrados, analfabetos, desprovidos de cultura ou mesmo aqueles cuja inteligência é limítrofe entre o normal do ser humano ordinário e o  idiota, mas rotina de todo ser pensante, desde que o mundo é mundo, já que ainda que vivêssemos 10.000 anos de uma vida completamente dedicada ao aprendizado e à pesquisa, sequer arranharíamos a superfície do “planeta cultura”, já que cada assunto, fato, causa ou conteúdo desdobra-se em milhares de novos assuntos, fatos, causas ou conteúdos, numa espécie de “fractal” do conhecimento.

Entretanto, uma coisa é ignorar, é desconhecer, é não fazer a mais mínima ideia daquilo com que nos deparamos ou que nos é questionado, outra é desprezar essa própria ignorância no afã de comentar, criticar, achar alguma coisa, dar opinião ou, pior, concordar com algo que nem se sabe de onde veio ou para aonde vai, sua forma, suas razões, origens ou razões de existir apenas para não se sentir “fora do contexto”, da discussão, um mero “expectador” da própria vida. E por conta disso, junto com a explosão horizontal do acesso à informação e da “turbinagem” das interações humanas por intermédio das redes sociais, estamos experimentando uma verdadeira avalanche de “achistas”’e de “tudólogos” que acaso se resumissem a brindar-nos a todos com os lampejos de sua invulgar cultura geral, de seu enciclopédico conhecimento, até que  seria fácil de aturar, bastando dar ao gênio de ocasião a atenção proporcional ao seu notório saber.

Mas, não! Não se contentam eles em comentar e opinar desde cocô até física quântica: apraz-lhes reproduzir a idiotice alheia muitas vezes com pompa, acrescentando as suas pérolas de erudição. A foto que ilustra esse texto é exemplo desse fenômeno: nada menos comunista existe no mundo do que a atividade bancária. Nada se encaixa menos na doutrina comunista do que o rentismo, que é a essência, o fundamento, a razão de ser e de existir de um banco. Mas o rapaz da foto, que não faz a menor ideias de quem seja Marx, Elgels, Manifesto Comunista, Comunismo, Banco, Liberalismo, capitalismo e, arrisco, até desconhece como se pinta uma placa dessas do Banco Santander, assimila e reproduz a fala de outro “jênio”, que por sua vez ouviu isso de algum profeta de manada, ou de algum blogueiro autointitulado “anticomunista”, e sai repetindo ao vento, e postando seu heroico agir com verdadeiro orgulho da própria ignorância.

Não são essas pessoas idiotas, porque têm plena capacidade de pensar antes de agir e falar, e, no fundo (ou até no “raso”) têm plena consciência de que não detém nenhuma informação ou conhecimento para opinar, achar, falar, debater, confirmar ou contestar aquele assunto, mas para eles pouco importa, porque se sentem ungidos por uma espécie de “evangelho” que impõe uma espécie de “credo” aos seus seguidores: ou se reproduz qualquer coisa vinda do profeta, do pastor, do timoneiro da causa, ou automaticamente se está no rol “contrário”, daqueles que efetivamente integram as fileiras de um imaginário exército inimigo. Esse é o OBTUSO.

Em qualquer dicionário que se consulte, diz-se obtuso (nesse contexto) aquela pessoa a quem falta inteligência (ou que não a utiliza em proveito de uma melhor compreensão de seu entorno, o que acho mais apropriado para o tema), ou o bronco, o o rude. Quanto ao “bronco”, esse remete a turrão, empacado em sua própria incompreensão do mundo que o cerca, dos fenômenos, da evolução, do outro.  Já o “rude”, essa pouca explicação precisa, muito embora a rudeza não esteja apenas relacionada à maneira embrutecida e mal educada que o obtuso tem de impor suas ideias, de fazer imperar seu ponto de vista. Essa característica encontra melhor abrigo na maneira deselegante, truculenta do obtuso tratar aqueles que ousam, na sua estreita visão de mundo, discordar de suas brilhantes conclusões, de criticar suas incensuráveis teses (sempre estapafúrdias, típicas do achismo ou do tal capachismo messiânico que também identifica o obtuso), de se contrapor às suas “elaboradas” teorias, quase sempre respaldadas na fala do tio de um primo de um amigo cujo pai conhece um “médico”, um “advogado”, um “cientista” do Raio-que-o-parta que desdisse toda a literatura universal e todas aa pesquisas feita sobre um determinado assunto porque uma pessoa no Cafundó “pulou da ponte e chegou ao solo sem um ferimento sequer”. Esse é o obtuso.