Em: Política No dia: 10 de janeiro de 2021
Foi logo no início da pandemia da covid-19, em 2020, que o município gaúcho de Imbé, de cerca de 20 mil habitantes, começou a usar inteligência artificial para tentar minimizar o quanto antes os problemas financeiros decorrentes do vírus. Com a implementação de uma plataforma digital que integrou dados das diferentes áreas da administração pública e um “check-up” das finanças públicas, os resultados apareceram rapidamente. Em menos de um ano, o município teve um acréscimo de R$ 542,6 mil em seu orçamento, priorizando redução e realocação de despesas e captação de recursos de transferências.
“Com a plataforma, pudemos identificar onde e como buscar recursos federais e estaduais para diferentes áreas e controlar de forma integrada nossas despesas variáveis, como horas extras e diárias”, disse Maria das Graças Silveira de Matos, ex-secretária da Fazenda na cidade. “A realidade de muitos municípios, principalmente pequenos, é esta. Os recursos estão ali, mas às vezes não há um setor específico de pessoas disponível para otimizar os resultados. A tecnologia tem feito este serviço.”
Imbé é exemplo de como o entendimento da tecnologia enquanto ferramenta de gestão pública pode trazer resultados concretos até no curto prazo. Ainda assim, o município é visto como um ponto fora da curva na realidade do País. Para analistas ouvidos pelo Estadão, a maioria dos municípios brasileiros ainda vive numa realidade analógica e momentos de crise, como o da pandemia, devem impulsionar a necessidade de soluções inteligentes.
A falta de um arcabouço jurídico está entre os motivos pelos quais o uso de tecnologia no setor público ainda é um desafio. No fim do ano passado, o Senado aprovou a nova lei de licitações, que introduziu um modelo de contratação de serviços chamado “diálogo competitivo”. Por este método, o poder público pode promover conversas com empresas interessadas na licitação previamente selecionadas. Essa modalidade poderá ser usada para contratação de obras, serviços e compras que envolvam inovação tecnológica e foi pensada para que o Estado debata com o mercado soluções para atender às necessidades públicas. O projeto aprovado aguarda sanção presidencial. Outro projeto sobre o tema é o Marco Legal das Startups, que tramita no Senado e que regulamenta a contratação de soluções inovadores por parte do poder público.
“A administração pública municipal ainda opera resquício de tecnologia das décadas de 1980 e 1990”, disse Rodolfo Fiori, cofundador da Gove, empresa de tecnologia que cria plataformas de inteligência para o setor público, como a de Imbé. “Via de regra, quem cuida de tecnologia nas prefeituras hoje é só o cara que resolve problemas de formatação, mouse, teclado. É preciso ter uma equipe pensando nesses aspectos e gente capacitada. O cenário para 2021 é crítico. As receitas vão continuar caindo, mas as contas, não. A tecnologia é um meio para melhorar esta situação.”
Em Cotia, na Grande São Paulo, a prefeitura fez uma parceria com o Instituto Tellus, que atua com capacitação e consultoria para inovação em serviços públicos, e informatizou unidades de saúde. A parceria se concretizou no lançamento de um aplicativo para agendamento de consultas e na instalação de totens digitais para agilizar o atendimento. O resultado foi a queda nas desistências de pacientes, de 38% para 22%.
“Digitalizar significa não só economizar, mas simplificar para ambos os lados. Os cidadãos passam a ter livre acesso aos serviços públicos em qualquer dia, local e horário, e para os governos, significa agilidade, aumento da segurança e redução do trabalho burocrático”, afirmou Germano Guimarães, diretor-presidente do Tellus.
Demanda
A pesquisa TIC Domicílios de 2019, lançada em 2020, mediu a demanda por governos digitais no País e apontou um aumento no número de pessoas que usaram a internet para buscar informações ou solucionar questões que tradicionalmente são feitas em repartições públicas. Segundo o estudo, feito pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), 28% dos usuários buscaram informações sobre impostos, 36% sobre direitos do trabalhador e previdência social e 23% procuraram sobre agendamento de consultas ou remédios da saúde pública.
Para o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente do Conselho Gestor do Porto Digital do Recife, Silvio Meira, não é só uma questão de digitalizar processos. “Não tem uma prefeitura no Brasil que não consiga usar tecnologia para cobrar IPTU. Tecnologia não pode ser só para cobrar imposto”, disse.
“A prefeitura tem que entender que a cidade é o principal habilitador de performance econômica dos agentes que nela residem, do governo às empresas e pessoas. Por isso, precisa investir em conhecimento para construir estratégias”, completou o
pesquisador. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.