Thiago Chaia
Gastrônomo formado no Senac na cidade de Campos do Jordão
Publicado por: Thiago Chaia Em: Gastronomia No dia: 16 de junho de 2020
No dia 08 de junho de 2018, o mundo gastronômico perdia um de seus mais importantes filhos. Chef celebridade, apresentador de programas gastronômicos e de viagens, além de escritor, era uma figura ímpar. Seus livros, embora permeassem temas gastronômicos, não continham receitas. Sequer se preocupava em discuti-las. Tony Bourdain buscava, porém, focar em outro tópico, muitas vezes ignorado tanto por profissionais da área quanto por interessados em assuntos gastronômicos.
Fosse a subcultura de cozinheiros – que, até os anos 90, era tão marginal como outras subculturas – e a intrincada rede existente entre a produção de insumos e a preparação de pratos em um restaurante (como relatados em “Cozinha Confidencial: uma aventura nas entranhas da culinária”), ou fosse a investigação e exploração de diferentes culturas ao redor do globo feitas através de sua alimentação (como mostra o “Em busca do prato perfeito”), seu legado é este: a cultura culinária, com um olhar cândido e genuinamente interessado.
Durante nove temporadas de “Sem Reservas”, Bourdain não levou seu telespectador ao redor do globo para presenciar os mais diversos pratos ou ingredientes, mas sim para que questionamentos fossem levantados. Por que na cozinha vietnamita, por exemplo, há a presença de técnicas clássicas francesas? Qual a relação entre o kimchi, preparação que é um dos pilares da cozinha coreana, com as américas? Como o tempurá tem relação com os portugueses? A resposta é uma: as relações humanas. Relações que, por muitas vezes, não representam uma memória feliz para um povo, mas, felizmente, deixaram algo de positivo como herança.
Por diversas vezes quando perguntado sobre qual seria sua última refeição, se pudesse escolhê-la, sua resposta era a mesma: uma tigela de pho, uma sopa feita de ossos e peito bovinos, com macarrão de arroz e alguns legumes, feita por uma senhora, proprietária de uma barraquinha nas ruas de Ho Chi Minh. Além de enterrar a ideia de que comida boa só é encontrada em restaurantes formais, feitas por chefs com suas tatuagens de facas pelos braços, nos faz refletir sobre as grandes cozinheiras e cozinheiros que conhecemos pela vida e não damos o devido respeito. Quantos excelentes pratos comemos diariamente mas damos maior valor aos empratados com louças diferentes e senso estético muitas vezes duvidosos? Será que a relação entre boa comida e preço alto realmente existem?
O que seria, de fato, boa comida? Alguns dirão bons ingredientes. Outros, boa execução técnica. A interação entre ambos os fatores, também. Todo este debate acaba por se tornar puramente retórico e nos afasta do que realmente importa: o que atingimos ao consumir e produzir boa comida? Comer vai além da ingestão de nutrientes para a manutenção da vida, é uma forma de conhecer o outro. É compreender o passado, a história de um povo e de um indivíduo. Comer não alimenta preconceitos.